Emaranhamentos em um ecossistema em função da crítica feminista: Verberenas, um espaço de diálogo sobre cultura audiovisual feito por mulheres
- Glênis Cardoso
- 21 de jan.
- 4 min de leitura

Por Glênis Cardoso | Metacriticas
Em 2015, algumas formandas e recém-formadas do curso de Audiovisual da Universidade de Brasília se reuniam para conversar sobre questões que estavam surgindo dentro da Faculdade de Comunicação. Se, a princípio, nos encontrávamos para falar sobre assuntos que nos afetavam diretamente no cotidiano da faculdade, outros incômodos pareceram encontrar espaço para serem expressados a partir dos laços que foram surgindo e se fortalecendo ao longo dos nossos encontros. Os incômodos e o sentimento de segurança para compartilhar unidos a um período propício para criação fez daquele ano de 2015 o momento perfeito para nos lançarmos no mundo. Uma das iniciativas da época foi a zine Minas Fazem Filmes, que confeccionamos para participar de uma feira gráfica feminista no Distrito Federal. E era exatamente isso que éramos e queríamos ser: minas que faziam filmes, jovens mulheres que tinham espaço, tempo e dignidade para poder existir no mundo audiovisual profissionalmente sem serem assediadas ou exploradas.
Logo percebemos, entretanto, que ocupar esse lugar seria complexo. Desde então, ficou cada vez mais claro que ser uma mulher e fazer filmes é mais do que ocupar uma função no set de filmagem. É mais do que sermos vistas, mais do que contar histórias de mulheres, mais do que ocupar cargos de chefia, mais até do que dirigir um filme. É tudo isso, mas não só: é todo um ecossistema que permite que o trabalho seja feito, e isso passa também pelo olhar que legitima os filmes, e foi assim que, não vendo nenhuma iniciativa parecida à época, criamos o Verberenas, um site onde nos colocávamos explicitamente como feministas e onde publicávamos ensaios, críticas e provocações sobre os filmes a que assistíamos. Inicialmente, não nos colocamos como críticas, porque, embora algumas de nós quisessem se aprofundar nesse caminho, nos víamos, antes de qualquer coisa, como realizadoras: escrever sobre cinema era uma forma de participar das conversas que aconteciam ao redor dos filmes, de acrescentar novas vozes – vozes muitas vezes dissidentes – que pudessem enriquecer o debate. Mas, nosso foco como indivíduos ainda era o fazer cinematográfico, daí nossa escolha por caracterizar o Verberenas como um espaço de diálogos sobre cultura audiovisual por mulheres realizadoras.
Em 2017, decidimos mudar nossa forma de publicação: o site passou a existir como uma revista digital de cinema com edições periódicas. Ao longo dos primeiros anos de existência do Verberenas, os filmes que nos interessavam e nossos focos de pesquisa foram tomando contornos mais claros. Escrevíamos principalmente sobre cinema brasileiro, cinema feito por mulheres e cinema independente, levando em consideração questões caras a nós como gênero, classe, raça, territórios e trabalho. Conforme nossa escrita se tornava mais delineada e se aprofundava, começamos a ser convidadas a compor paineis como críticas para comentar, por exemplo, filmes da Mostra Aurora, uma janela importante do cinema contemporâneo brasileiro que acontece na Mostra Tiradentes no interior de Minas Gerais. Aos poucos, passamos a ocupar outros espaços no ecossistema audiovisual, isso se deu principalmente quando nos vimos recebendo convites para participar de curadorias em festivais e cineclubes pelo país.
A expansão do nosso trabalho de realizadoras a críticas e curadoras, ao mesmo tempo que sentíamos cada vez mais uma necessidade de retorno financeiro para que seguíssemos fazendo o Verberenas com o cuidado que tínhamos colocado na revista até então, nos inspirou a escrever um projeto para um fundo de apoio cultural no DF. Estávamos inspiradas pelo desejo de que o trabalho que fazíamos como críticas e curadoras passasse a compreender outra dimensão do ecossistema pelo qual nos embrenhávamos: a exibição de filmes. Propomos em nosso projeto a exibição de quatro sessões de longas-metragens de mulheres do Brasil e do mundo ao longo de um ano, cada sessão seguida de um debate com uma pesquisadora brasileira e acompanhada da publicação de uma nova edição da nossa revista.
Executamos o projeto em 2021, um período particularmente inóspito à vida e à liberdade devido à pandemia de COVID-19 e ao governo de extrema direita que se encontrava no poder. Devido às circunstâncias, as sessões, pensadas originalmente para serem feitas presencialmente, se deram no espaço virtual. Foi um ano intenso de muito trabalho, muitos textos, reuniões longas, mas também de pequenas e grandes celebrações por termos concluído um ciclo importante de um projeto que nos lançou no mundo de diversas formas.
O retorno financeiro para um projeto ambicioso como esse, infelizmente, estava aquém do tempo e empenho que colocamos nele. Nos víamos cada vez mais exaustas tendo que lidar com diversas outras demandas e trabalhos que nos permitissem uma vida plena. Além disso, seguíamos interessadas como indivíduos em seguir desbravando o ecossistema audiovisual em diferentes capacidades. A realização, a crítica, a curadoria foram o início, e nós seguimos em nossos diferentes caminhos nos aventurando pela academia, pela preservação e pela distribuição de filmes.
O Verberenas segue no ar, e ainda temos planos para que um dia ele seja publicado fisicamente, dando uma nova forma e corpo ao trabalho ao que nos dedicamos com profundo cuidado e, por que não, amor.
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Imagem: Capa do Vol. 7, nº 08, 2021 da Revista Verberenas.
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